Putin acumulou mais poder na Rússia do que Stalin ou o czar Nicolau II

Rafael M. ManuelecoSEGUIR, CONTINUAR

O descontentamento geral na sociedade russa pela "guerra devastadora, sangrenta e injustificada" que o presidente Vladimir Putin desencadeou contra o país vizinho, contra a Ucrânia, cujos habitantes, como os russos, são eslavos orientais e são sempre considerados. irmãos”, é mais do que palpável. Cada vez mais empresários, artistas, ex-altos funcionários, economistas e cientistas estão fugindo da Rússia. Eles renunciam a seus cargos, liquidam seus negócios, abandonam suas cátedras, deixam seus teatros ou cancelam shows.

Mesmo entre os mais próximos de Putin, há dissensões. O ministro da Defesa Sergei Shoigu, o chefe do Estado-Maior do Exército Valeri Gerasimov, o diretor do FSB (ex-KGB) Alexander Dvornikov ou o comandante-em-chefe da frota do Mar Negro, almirante Igor Osipov, parecem não pintar nada.

Nominalmente, ele mantém seus cargos, mas Putin não confia mais neles porque calculou mal a ofensiva, pelo alto número de baixas e pelo lento avanço das tropas.

O cientista político Stanislav Belkovski afirma que “Putin começou pessoalmente a dirigir a operação militar na Ucrânia” com ordens diretas aos oficiais no terreno. Em suas palavras, “a Operação Z permanece sob o controle total de Putin. Não há uma única figura que possa impor uma solução que não lhe interesse”. O presidente russo, um julgamento de Belkovsky, “admite que o início da ofensiva não teve sucesso e o que deveria ter sido uma blitzkrieg falhou. É por isso que ele assumiu o comando, como o czar Nicolau II durante a Primeira Guerra Mundial”.

O elevado número de vítimas entre civis ucranianos, as atrocidades cometidas em Bucha, as pesadas baixas de ambos os lados, a destruição de cidades inteiras, como aconteceu com Mariupol, e a ausência de argumentos sólidos que justifiquem a guerra não dissuadiram Putin da necessidade a recuar. Seu poder praticamente absoluto lhe permite ignorar qualquer conselho sensato na ausência de contrapesos e uma direção mais colegiada.

Ninguém concentrou tanto poder em 100 anos

E é que quase ninguém na Rússia em mais de cem anos concentrou tanto poder a ponto de se permitir o luxo de agir sozinho. Ele até se permitiu mostrar em público seus colaboradores mais próximos, como aconteceu em 21 de fevereiro, três dias após o início da guerra contra a Ucrânia, quando durante uma reunião do Conselho de Segurança, transmitida nos principais canais de televisão, ele humilhou o diretor de o Serviço de Inteligência Estrangeira (SVR), Serguei Naryskin.

Na era czarista, a coroa russa era mais um exemplo de absolutismo na Europa da época, mas o poder desses monarcas às vezes era compartilhado nas mãos de parentes e favoritos. Um dos personagens que mais influenciou Nicolau II em suas decisões foi o monge Grigori Rasputin, que soube considerar Alejandra como uma “iluminadora”.

Após a Revolução de Outubro (1917), o poder de seu líder, Vladimir Lenin, apesar de decisivo, foi submerso de certa forma sob o controle dos Sovietes e do Politburo, órgão máximo e permanente. Mais tarde, com Iósif Stalin já no Kremlin, as tramas foram tecidas ao nível do Comitê Central do Partido Comunista e do Politburo, alguns de cujos membros acabaram sendo expurgados, enviados ao Gulag ou fuzilados. Stalin instalou uma ditadura sangrenta, mas às vezes sob a supervisão do Politburo ou de alguns de seus membros, como foi o caso de Lavrenti Beria.

Controle do Comitê Central e Politburo

Todos os secretários-gerais do PCUS tinham um peso mais do que significativo na hora de tomar decisões, mas sem que a direção do partido os perdesse de vista. A ponto de, como aconteceu com Nikita Khrushchev, eles poderem ser demitidos. Todos os outros a partir de agora (Leonid Brezhnev, Yuri Andropov, Konstantin Chernenko e Mikhail Gorbachev) foram forçados a se estabilizar dentro dos diretores gerais emanados dos Congressos do Partido, do Comitê Central e do Politburo.

Após a desintegração da URSS, o antecessor de Putin, Borís Yeltsin, marchou sobre uma nova Constituição com um caráter marcadamente presidencial. Ele o fez após um confronto armado com o Parlamento, que ele impiedosamente bombardeou. Mas Yeltsin, no entanto, estava submerso em poderes factuais, como negócios, mídia e controlado até certo ponto pelo Parlamento. Ele também respeitava o judiciário. As eleições, apesar de inúmeras falhas, foram descritas como "democráticas" pela Comunidade Internacional. O primeiro presidente da Rússia pós-soviética também teve que lidar com os militares, especialmente depois de embarcar em uma guerra catastrófica na Chechênia.

O atual presidente russo, porém, desde o primeiro momento, começou a desmantelar a democracia imperfeita construída por seu mentor. Primeiro, reforçou seus já volumosos poderes até alcançar uma centralização comparável apenas à existente na era stalinista, embora com aparência de democracia. Ele então fez a propriedade mudar de mãos, especialmente no setor de energia, em favor dos empresários da Sone. Assim, realizou uma nacionalização encoberta dos principais setores econômicos.

Depois ele se comprometeu com a imprensa independente. Canais de televisão, estações de rádio e os principais jornais foram adquiridos por empresas estatais, como o monopólio energético da Gazprom, ou por corporações dirigidas por oligarcas leais ao presidente.

mais do que Stálin

O próximo passo foi fortalecer o chamado "poder vertical", que leva à abolição das eleições para governadores regionais, uma lei partidária draconiana e arbitrária, uma triagem sem precedentes de organizações não governamentais e a aprovação de uma lei contra o extremismo que criminaliza quem não compartilha do ponto de vista oficial.

As duas Câmaras do Parlamento, assumidas pelo partido do Kremlin «Rússia Unida», são verdadeiros apêndices da Presidência e a Justiça é uma correia de transmissão dos seus interesses políticos, como ficou demonstrado em julgamentos claramente fraudados, incluindo o que mantêm na prisão o principal líder da oposição, Alexei Navalni.

Como Navalni vem denunciando, na Rússia não existe divisão de poderes, nem eleições autenticamente democráticas, pois, segundo suas indagações, a manipulação dos resultados das votações é corriqueira. Putin o fez alterar a Constituição em 2020 para poder apresentar mais dois mandatos, que permaneceriam à frente do país até 2036.

Para desmantelar a democracia precária que construiu sobre seu antecessor, Putin sempre usou os serviços de inteligência. A necessidade de um "estado forte" sempre foi uma obsessão para ele. Nessa estrada, muitos acabaram na prisão. Outros foram baleados ou envenenados sem, na maioria dos casos, poder esclarecer quem cometeu os crimes. O número de exilados políticos vem aumentando e agora, após a invasão da Ucrânia, aumentou a ponto de o presidente russo ter conseguido esvaziar o país de opositores.

O resultado dessa política feroz é que Putin removeu qualquer contrapeso. Ele tem um poder comparável ao de Stalin e ainda mais, pois não tem que responder a nenhum "comitê central". Ele mesmo afirma que só o "povo" pode questionar suas decisões, colocá-lo no comando ou destituí-lo. E isso é medido por eleições que seus oponentes sempre consideraram fraudadas. Assim, o presidente sozinho é o único centro de decisão na Rússia, o único que dá as ordens em relação à intervenção armada na Ucrânia.